A capacidade de fazer rir de uma tragÊdia, de afligir com uma letargia, de angustiar com o desespero alheio e chocar com o rumo que uma histÃŗria pode tomar. Talvez essa seja a definiçÃŖo de A estirpe. Em plena festa de aniversÃĄrio, um globo espelhado cai do teto sobre a cabeça de Ana. Um tanto cômico, se nÃŖo fosse trÃĄgico. O ocorrido faz com que perca a memÃŗria, as palavras, os afetos. NÃŖo se lembra do esposo, da mÃŖe, do filho, da empregada. A resposta pode estar em seu escritÃŗrio, repleto de fotos, caixas e documentos sobre uma campanha militar do fim do sÊculo XIX. Materiais para um livro que estava a escrever, mas o vasculhar de objetos a transporta a algo inesperado, incompreensÃvel, para lembranças que nÃŖo sÃŖo suas, para palavras que nÃŖo imaginava conhecer. Originalidade descreve bem a escrita de Carla Maliandi e A estirpe Ê prova do merecido adjetivo. Ela nos encanta sem floreios, surpreende como um tropeço e nos faz questionar como foi capaz de unir eventos corriqueiros, acontecimentos e reparaçÃĩes histÃŗricos, dilemas pessoais e familiares e a agonia e insanidade que tomam conta da protagonista (e ultrapassam as pÃĄginas) em uma novela sÃŗlida e, ao mesmo tempo, insÃŗlita. A estirpe poderia ser um romance histÃŗrico, ou um drama familiar, ou um relato introspectivo de uma mulher vazia, mas Ê um livro Ãēnico, para ser lido de modo alucinante e refletido por dias a fio. Aline Teixeira