Quando Camilo Castelo Branco escrevia no seu livro dileto esta sentença: – «o homem não acha em si os alívios da razão quando os vícios lha degeneram», estava julgando a sua própria alma no tribunal austero da consciência.
Não vejam nisto censura, os melindrosos por conta alheia.
O romancista, se não é um armador de encomendas, um preparador de efeitos, um pintador de cenários, um arranhador de visualidades, se sente como escreve, ao menos quando escreve, encarnando-se nos seus personagens, reconhecendo em si as paixões que lhes reconheceu ou que lhes atribuiu, e com eles ama, odeia, chora ou blasfema, faz como o sábio, o mártir da medicina, que, para se convencer e para não falsear a ciência que professa, muita vez se envenena ou se dilacera.
Camilo era aqui o pensador, o filósofo, o analisador frio do seu excecional espírito, ora embaciado, a ponto de não ver distintamente o objetivo da sua cogitação, ora transparente e brilhante, a dar-lhe lúcida a verdade, fosse onde fosse o esconderijo dela, fosse qual fosse a distância em que demorasse.
Se o romancista é mestre, o escritor é artífice; se é arte, se é ato impulsivo, o romancista é poeta.
Quando Camilo Castelo Branco escrevia no seu romance mais querido: – «Não sei que haja aí outros incentivos que me chamem aos olhos as lágrimas do coração. Quem me quiser ver chorar e vibrar de não sei que veemente e religioso entusiasmo, conte-me casos da natureza daqueles; faça-me acreditar na existência de umas almas que vão entender-se com Deus por um raio esplendoroso da graça divina, e declarava-se não mesteiral mas poeta, e denunciava o género da sua poesia.