"Quando vi pela primeira vez na tevê o cidadão que se intitulava João de Deus, não hesitei em dizer para minha mulher, ao lado: é bandido." A frase é do médico Drauzio Varella, em coluna no jornal Folha de S. Paulo no início de 2020. Poucos anos antes, porém, essa franqueza era rara no debate público. João de Deus desfrutava das bênçãos do establishment. Frequentava festas de políticos, recebia artistas brasileiros e estrangeiros, via filas quilométricas se formarem em frente à casa onde atendia, na pequena cidade de Abadiânia, no interior de Goiás. No fim de 2018, veio a público uma onda de acusações de assédio sexual contra o líder espiritual. Dezenas de mulheres saíram da sombra para contar experiências de abuso e estupro. Em seguida surgiram as denúncias na Justiça. E então o castelo de cartas de João de Deus começou a desmoronar. Este livro mergulha nessa história, mostrando que ela é ainda mais assustadora. Ao longo de quarenta anos, desde os primórdios do centro de atendimento de João de Deus, fundado no fim dos anos 1970, foram se acumulando episódios nada edificantes. Atores foram contratados para se passar por doentes. Uma escritora estrangeira pagou para acobertar abusos do líder no exterior. Mortes e assassinatos ficaram sem explicação. Em Abadiânia, são comuns os relatos sobre pessoas que sumiram após se indispor com João de Deus. Diversos moradores tiveram seus bens confiscados por capangas após brigar com a figura mais poderosa da cidade. Como muita gente enriqueceu graças aos milhares de dólares dos turistas estrangeiros, o silêncio impera na região. Durante o processo de apuração, ao longo do ano de 2019, Chico Felitti visitou a cidade meia dúzia de vezes. Passou uma semana dentro da seita. Saiu de lá com uma reportagem brilhante, capaz de revelar as entranhas de um líder à brasileira: corrupto e empreendedor, criminoso e carismático, sedutor e profundamente cruel.