"Pelo que respeita à influência do romance nos costumes, estou mais que muito desconfiado de que o romance não morigera nem desmoraliza. Porém, admitida a ponderação que lhe alvidram os exortadores dos pais de família, não sei decidir como se há de escrever o romance fautor da sã moral. São dois os expedientes: levar os personagens viciosos ao despenhadeiro; ou criar anjos num paraíso sem serpente.
Na primeira espécie, mostra-se a luta de virtude e crime; natural e concludentemente triunfa a virtude. É o costume, com sacrifício, às vezes, da verosimilhança.
Na segunda forma de romancear, a virtude recebe as ovações sem batalha. O romancista põe peito à reformação das obras de Deus e corrige-as. Quando os seus personagens se avizinham de algum sujo aguaçal, em que é uso a gente comum salpicar as botas, atam-lhes asas de serafim e largam-lhes trela por esse azul dos céus dentro, até lhes vir a jeito poisá-los em alegretes de flores.
São estes os romances que moralizam, ou os outros? É a minha dúvida. Convém mostrar as repulsões do crime lá em baixo, onde a providência social lhes cavou a paragem, ou é melhor conduzir, por entre hortos ameníssimos, os nossos personagens engrinaldados, e metê-los no céu finalmente?"